Nós, índios Pitaguary, habitamos tradicionalmente o sopé da serra, entre os municípios cearenses de Maracanaú e Pacatuba. Distando aproximadamente 26 quilômetros de Fortaleza, nossa Terra Indígena (TI) está situada na Região Metropolitana da capital, tendo em seus arredores uma área caracterizada pela concentração de indústrias, empresas de mineração e crescente especulação imobiliária.
Nos últimos anos, nós, Pitaguary, temos enfrentado diferentes ataques à efetivação de nossos direitos, principalmente o acesso ao nosso território tradicional, que, embora em demarcação, ainda sofre pressões judiciais que impedem a conclusão do procedimento de regularização fundiária e a consequente desintrusão dos posseiros da área. Tal situação vem trazendo consequências graves para o nosso povo, tais como a crescente ocorrência de grandes obras e empreendimentos dentro da área ou nos limites da terra.
Dentre as principais dificuldades enfrentadas por nós, Pitaguary, destacamos a existência de inúmeras pedreiras ativas nas proximidades do nosso território. Tais empresas, por exemplo, são responsáveis por diversos problemas nas aldeias da Monguba e do Olho D’Água, tais como os desmatamentos, doenças respiratórias como asma, bronquite e gripe. São culpadas ainda por rachaduras nas paredes das casas, devido às constantes explosões das rochas. As nossas crianças indígenas são as mais afetadas.
Apesar dos grandes impactos socioambientais ocasionados por tais empreendimentos, os mesmos possuem autorização da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (SEMACE) para seu livre funcionamento mesmo estando, na maioria das vezes, em desacordo com o que determina a legislação ambiental no que se refere a concessão de Licenças de Operação.
De acordo com a Lei 6.938/81 e nas Resoluções CONAMA nº 001/86 e nº 237/97, o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) se faz imprescindível quando a atividade é potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente. Do mesmo modo, a resolução estadual do COEMA 08/04, no anexo I, define ser obrigatório a apresentação desse tipo estudo para atividades de Extração de Rochas de Uso Imediato na Construção Civil.
O Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM igualmente tem liberado as Concessões de Lavra sem realizar a consulta aos povos indígenas, desconsiderando, portanto, o que dispõe a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que garante o processo de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas sobre toda e qualquer medida que venha afetar direta ou indiretamente a vida das nossas populações.
Diante destas problemáticas, nós, índios Pitaguary, estamos há alguns anos lutando contra a reativação de uma antiga pedreira, desativada há mais de 20 anos, nas imediações de nossa Terra Indígena. A reabertura dessa pedreira vai prejudicar não apenas nós indígenas, mas toda a população residente em Monguba, haja vista que o uso de fortes explosivos põe em risco a vida de todos e causa prejuízos inestimáveis ao meio ambiente e à saúde de nossas populações.
Para barrar mais esse crime contra nosso povo e a mãe natureza, realizamos, desde novembro de 2011, a retomada do terreno que tinha sido invadido pelos proprietários da pedreira Britaboa LTDA com a conivência do próprio estado, que há anos vem emitindo concessões de extração e liberando licenças irregulares de instalação para tais empreendimentos. É o caso, por exemplo, da referida empresa Britaboa que teve sua Licença de Operação mesmo sem a apresentação obrigatória do estudo de impacto ambiental - EIA/RIMA.
Desde então, estamos sofrendo vários tipos de ameaças, tais como: visitas inesperadas a algumas lideranças indígenas, por parte de policiais portando supostos recados dos proprietários da empresa; presença de carros suspeitos entrando sem permissão na área indígena; tiros nas proximidades, além de várias outras ameaças e tentativas de intimidação.
Para agravar ainda mais a situação, nos últimos dias o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sediado em Recife, concedeu uma decisão judicial que autoriza a Empresa Britaboa a explorar a área e determina a retirada imediata dos Pitaguary. Ocorre que essa pedreira está dentro do Território tradicional e faz parte de toda a nossa memória e do patrimônio cultural, sendo inclusive espaço para realização de nossos rituais.
Importante ressaltar que a mesma pedreira que ameaça a nossa Terra Indígena Pitaguary, se encontra em Terra da União e já foi objeto de relatório emitido pelo IBAMA que concluiu não ser possível a exploração da atividade em questão por razão dos impactos negativos ao meio ambiente, bem como dos perigos para as populações que residem nas proximidades.
Diante de tais problemas, nós povo indígena Pitaguary, convocamos todos e todas que se solidarizam com nossa luta a nos apoiar, divulgando esta carta e se fazendo presentes conosco no distrito de Monguba-Pacatuba CE-060, KM 15, no próximo dia 21/03 (quinta-feira), véspera da data marcada para a reintegração de posse. Reafirmamos que essa luta não é apenas nossa, mas de todos os que foram e são oprimidos pelo modo de vida capitalista.
O que acontece neste momento em nossas terras ocorre também com populações urbanas que estão sendo brutalmente removidas. Estes males, não podemos negar, são causados pela ganância de uma elite que quer lucrar de qualquer forma. Nosso chamado busca fortalecer nossa resistência e impedir, mais uma vez, a reabertura da pedreira na Terra Indígena Pitaguary, bem como afirmar, com todas as nossas forças, que não sairemos do nosso território tradicional e que lá permaneceremos até nosso último índio!!!
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sábado, 25 de novembro de 2017
CARTA DOS PITAGUARY A SOCIEDADE CEARENSE
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